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Os dois caminhos para a amígdala

A amígdala é uma pequena estrutura em forma de amêndoa localizada profundamente no lobo temporal do cérebro. Ela desempenha um papel crucial no processamento e regulação das emoções, especialmente medo e ansiedade. Está envolvida na formação de respostas emocionais a estímulos diversos, na formação da memória e no aprendizado emocional.

A amígdala recebe informações de várias regiões sensoriais do cérebro, como o tálamo e os córtices sensoriais, e pode iniciar a resposta fisiológica conhecida como “resposta de luta ou fuga”.

Joseph LeDoux, um renomado neurocientista conhecido por sua pesquisa sobre a amígdala, propôs os conceitos de “via direta ou rápida” (low road) e “via cognitiva ou consciente” (high road) para descrever dois caminhos separados por meio dos quais a informação sensorial chega à amígdala.

A via direta é a trilha da sobrevivência instintiva. Ela contorna as regiões corticais superiores, que são responsáveis pela percepção consciente e funções cognitivas mais sofisticadas. É um caminho rápido e automático que permite ao cérebro responder imediatamente a ameaças potenciais ou a estímulos emocionalmente significativos. Ela prioriza a velocidade e a eficiência em detrimento de análises detalhadas, o que é crucial em situações em que uma ação imediata é necessária para a sobrevivência.

A via cognitiva envolve as regiões corticais superiores durante o processamento da informação sensorial antes desta chegar à amígdala. Como já mencionado, essas regiões corticais superiores são responsáveis por funções cognitivas mais sofisticadas e conscientes, tais como percepção, atenção, memória e tomada de decisão.

Via direta (tálamo-amígdala)

A via direta refere-se a um caminho rápido que permite que a informação sensorial chegue à amígdala sem muito processamento consciente. Em situações de perigo ou ameaça potencial, o cérebro precisa reagir rapidamente para garantir a sobrevivência. A via rápida facilita essa resposta imediata ao contornar as áreas corticais superiores responsáveis ​​pelo processamento consciente e deliberado.

A via direta envolve a seguinte sequência de eventos:

  • Entrada sensorial: Quando um estímulo potencialmente ameaçador ou com significado emocional (por exemplo, um barulho alto ou um objeto ameaçador) nos atinge, a informação sensorial é processada primeiro no tálamo, um centro de retransmissão no cérebro que recebe informações dos sentidos.
  • Retransmissão rápida: Do tálamo, a informação sensorial é imediatamente retransmitida para a amígdala, especificamente para suas regiões subcorticais.
  • Resposta imediata: A amígdala, ao receber essa entrada sensorial, desencadeia uma resposta emocional rápida, como medo ou ansiedade, que ativa a resposta de luta ou fuga do corpo.

Esse processo ocorre automaticamente e requer processamento cognitivo mínimo.

A via direta foi conservada pela evolução e serve como um mecanismo de sobrevivência primordial. Ao ignorar o processamento cortical superior, permite que o cérebro inicie respostas automáticas a ameaças potenciais sem esperar por uma avaliação consciente. Por exemplo, se de repente você ouvisse um ruído alto e inesperado que soasse como uma ameaça, o caminho da via direta da sua amígdala ativaria imediatamente o medo e desencadearia uma reação instantânea antes que sua mente consciente tivesse a chance de processar completamente o que aconteceu.

Via cognitiva ou consciente (tálamo-córtex-amígdala)

Em contraste com a via direta, a via cognitiva é um caminho mais lento e elaborado. Na via cognitiva, a informação sensorial de um estímulo potencialmente ameaçador primeiro viaja do tálamo para o córtex sensorial. O córtex sensorial é uma região do cérebro envolvida no processamento de entradas sensoriais de diferentes modalidades, tais como informações visuais, auditivas e somatossensoriais (relativas ao toque). É parte do córtex cerebral, que é a camada externa do cérebro responsável pelas funções cognitivas superiores.

O córtex sensorial analisa e interpreta as informações sensoriais levando em conta pistas contextuais, experiências passadas e outras informações relevantes. Essa avaliação cognitiva permite uma compreensão mais detalhada e diferenciada do estímulo, indo além das características sensoriais básicas.

O envolvimento das regiões corticais superiores adiciona complexidade e processamento cognitivo à resposta emocional. Em vez de uma reação instantânea, como acontece na via direta, a via cognitiva permite uma resposta emocional mais ponderada e controlada, com base na avaliação consciente. A via cognitiva permite que o cérebro module as respostas emocionais e as adapte ao contexto específico, o que pode ser crucial para interações sociais, tomada de decisões e regulação emocional geral. Ela ressalta a intricada interação entre emoção e cognição na formação do comportamento humano e das respostas ao mundo ao nosso redor.

A via cognitiva envolve a seguinte sequência de eventos:

  • Entrada sensorial: Quando você encontra uma ameaça potencial ou um estímulo com significado emocional, a informação sensorial é primeiramente processada no tálamo.
  • Do tálamo para o córtex: Em vez de ser retransmitida rapidamente para a amígdala, a informação é enviada primeiro para o córtex sensorial, onde ocorre uma análise mais detalhada e consciente do estímulo.
  • Avaliação cognitiva: O córtex sensorial avalia o estímulo, leva em consideração as informações contextuais e determina se o estímulo é genuinamente ameaçador ou não.
  • Envolvimento da amígdala: Após a avaliação cognitiva, a informação processada é retransmitida do córtex sensorial para a amígdala e influenciará a resposta emocional.

Os conceitos de via direta e via cognitiva de LeDoux ajudam a explicar como o cérebro pode responder rapidamente a ameaças potenciais sem a necessidade de percepção consciente (via direta), ao mesmo tempo em que permite um processamento emocional mais equilibrado e matizado com base na avaliação consciente (via cognitiva). Ambos os caminhos funcionam em conjunto para equilibrar respostas emocionais imediatas com processamento cognitivo mais apurado, levando a comportamentos adaptativos e flexíveis em várias situações.

Os dois caminhos e o trauma

No geral, os dois caminhos para a amígdala fornecem uma base neurológica para as respostas emocionais observadas no trauma. Compreendê-los pode fornecer insights valiosos sobre como o trauma e as respostas emocionais são processados no cérebro. O trauma é uma experiência complexa e multifacetada e conhecer esses caminhos pode ajudar a esclarecer por que memórias traumáticas e as respostas emocionais associadas a elas podem ser tão poderosas e difíceis de administrar.

Vejamos alguns aspectos.

Reatividade emocional: A via direta é responsável por respostas emocionais rápidas e automáticas às ameaças percebidas. No contexto do trauma, essa via pode levar a intensas reações emocionais desencadeadas por estímulos associados ao evento traumático. Mesmo pistas sutis que lembram o trauma podem ativar a “via direta”, levando à experiência imediata de medo ou sofrimento.

Flashbacks e memórias intrusivas: As memórias traumáticas costumam ser vívidas e intrusivas. A via direta pode facilitar a recuperação rápida de memórias emocionais associadas ao trauma, levando a flashbacks ou memórias intrusivas desencadeadas por pistas sensoriais semelhantes àquelas experimentadas durante o evento traumático.

Hipervigilância: A via direta pode contribuir para a hipervigilância, um estado de sensibilidade e alerta elevado a ameaças potenciais. Indivíduos que sofreram traumas podem permanecer em alerta máximo, pois suas amígdalas podem ativar rapidamente respostas de medo quando confrontados com situações ou pistas que lembram o trauma.

Reavaliação cognitiva: Por outro lado, a via cognitiva oferece uma oportunidade para avaliação consciente e reavaliação de experiências emocionais. Compreender a via cognitiva pode ser benéfico na terapia do trauma, pois permite que os indivíduos se envolvam no processamento cognitivo de memórias e emoções traumáticas. Abordagens e técnicas terapêuticas podem ajudar os indivíduos a reinterpretar eventos traumáticos, possibilitando assim a regulação emocional e o uso de mecanismos de enfrentamento mais saudáveis.

Os dois caminhos e a terapia EMDR

O EMDR é uma psicoterapia baseada em evidências que se concentra em ajudar os indivíduos a reprocessar e integrar memórias e experiências traumáticas. Na terapia EMDR, os dois caminhos para a amígdala podem ser correlacionados com a forma como as memórias traumáticas são reprocessadas para reduzir o sofrimento emocional e promover a cura.

Eis como os dois caminhos possivelmente se correlacionam com o reprocessamento no EMDR.

Via direta e ativação emocional inicial

Durante a terapia EMDR, as memórias traumáticas são selecionadas e acessadas para reprocessamento. Essas memórias estão frequentemente associadas a uma maior excitação emocional e angústia. Essa reatividade emocional estaria relacionada com o caminho da “via direta”, onde as informações sensoriais atingem diretamente a amígdala em sua forma “crua” (não-processada ou com processamento consciente mínimo), desencadeando respostas emocionais imediatas, como medo, ansiedade ou raiva.

Estimulação bilateral e a via cognitiva

A terapia EMDR incorpora a estimulação bilateral, que pode ser na forma de movimentos oculares, tons auditivos ou estimulação tátil, para ativar o caminho da “via cognitiva”. Acredita-se que a estimulação bilateral estimule as regiões corticais superiores envolvidas no processamento cognitivo. Quando a estimulação bilateral é aplicada, o paciente é encorajado a manter a atenção na memória traumática (passado) ao mesmo tempo em que segue os movimentos da mão do terapeuta ou outras formas de estimulação (presente). Esse processo é denominado de “atenção dual”.

Atenção dual e processamento cognitivo

A atenção dual possibilita o processamento cognitivo da memória traumática. Em vez de ser dominado pela resposta emocional desencadeada pela “via direta”, o cérebro pode agora se envolver em uma avaliação deliberada e mais ponderada da memória no presente. A memória, que foi armazenada no passado em sua forma “crua” e ficou “congelada”, pode agora associar-se a outras redes neurais e ser atualizada — isto é, o aprendizado emocional disfuncional associado a ela é desaprendido ou apagado e substituído por um aprendizado emocional funcional e adaptativo.

Resolução adaptativa

Por meio de séries repetidas de estimulação bilateral e processamento cognitivo, a memória traumática é reprocessada. O reprocessamento leva a uma resolução adaptativa. A memória torna-se neutra ou menos carregada emocionalmente, pois é integrada com memórias e crenças mais realistas. Isso corresponderia à integração da “via cognitiva” com a “via direta”, permitindo uma resposta equilibrada e emocionalmente menos reativa à memória e às vivências do presente.

Alívio e cura emocional

Como as memórias traumáticas são reprocessadas por meio do EMDR, os indivíduos geralmente experimentam uma redução no sofrimento emocional e nos sintomas associados. O alívio emocional e a cura viriam da integração bem-sucedida entre a “via direta” (resposta emocional) e a “via cognitiva” (processamento cognitivo).

Em resumo, a terapia EMDR, seguindo um protocolo clínico, utiliza a estimulação bilateral para “desinflamar” a via direta e ativar a via cognitiva, permitindo o processamento cognitivo das memórias traumáticas e facilitando a resolução adaptativa. Ao integrar os caminhos da “via direta” e da “via cognitiva”, o EMDR reduz ou extingue o sofrimento emocional associado à memória traumática e promove respostas emocionais e comportamentais mais adaptativas.

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6 comentários em “Os dois caminhos para a amígdala”

  1. Achei excelente a apresentação. Tudo foi colocado de forma clara, acessível, coerente e bem explicada.👏👏👏

  2. Carlos Alberto Collet

    Claro e resumido, simplesmente facil de entender, ate para mim que sou leigo mas curioso dos temas do estudo da mente / emoções.

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