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Terapia EMDR

“Dada a oportunidade, o sistema de processamento de informação
do cérebro se moverá na direção da saúde.”
– Francine Shapiro

“O EMDR arruma a bagunça para que o cliente possa ver o que está na sala.”
– Laurel Parnell

O que é EMDR?

EMDR é o acrônimo em inglês para Eye Movement Desensitization and Reprocessing. Em português, dizemos Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares. A técnica originou-se a partir de uma descoberta casual que Francine Shapiro fez sobre o movimento dos olhos. Certo dia, em 1987, enquanto caminhava num parque em Los Gatos, Califórnia, ela percebeu que alguns pensamentos perturbadores que lhe passavam pela mente haviam desaparecido. Quando voltou sua atenção para esses pensamentos novamente, eles já não tinham mais a mesma força; ou seja, eles simplesmente não a incomodavam mais. Ao se perguntar o que teria causado aquele efeito, ela percebeu que, quando o pensamento perturbador lhe vinha à mente, seus olhos começavam a se mover de forma espontânea e muito rapidamente de um lado para outro. Então, o pensamento sumia. Quando tentava trazê-lo de volta, ele havia perdido a sua carga negativa.

Depois de ter descoberto esse efeito em si mesma, ela começou a testá-lo com amigos, conhecidos e colegas. Ao longo dos dois anos seguintes, ela passou a acreditar que tinha esbarrado em um processo natural de cura do cérebro. Ela também percebeu a semelhança entre os movimentos oculares espontâneos que fez enquanto passeava no parque e os movimentos oculares espontâneos que ocorrem durante o sono REM.

Aos poucos, ela foi aprendendo mais e mais e desenvolvendo a técnica. Ao final do seu programa de doutorado, ela decidiu fazer uma pesquisa controlada sobre esse fenômeno e escolheu como sujeitos de pesquisa vítimas de abuso sexual, vítimas de estupro e veteranos de guerra, uma população que costuma sofrer persistentemente em decorrência de suas memórias traumáticas. Sua pesquisa, publicada em 1989, apresentou resultados surpreendentes: os benefícios de seu método eram evidentes e tinham sido obtidos num curto espaço de tempo.

De 1989 para cá, o EMDR foi refinado e evoluiu de técnica para uma abordagem completa, composta de 8 fases. Muitas pesquisas, realizadas em várias partes do mundo, e a experiência clínica de milhares de profissionais de saúde treinados na abordagem, têm comprovado sua eficácia. Se, de início, foi utilizada, principalmente, no tratamento de vítimas de traumas severos (transtorno de estresse pós-traumático), hoje ela é utilizada no tratamento de uma ampla gama de transtornos psicológicos, transtornos psicossomáticos e problemas emocionais, bem como no aprimoramento do desempenho.

Francine Shapiro afirmava que, se pudesse começar tudo de novo, chamaria sua terapia de Terapia de Reprocessamento, dado que o movimento dos olhos é apenas uma parte de um todo mais complexo. Contudo, EMDR tornou-se um nome mundialmente conhecido e mantê-lo ajuda também a garantir a integridade do método onde quer que ele seja aplicado.

Dr. David Van Nuys: Qual o mecanismo pelo qual o EMDR afeta as memórias traumáticas?

Dr. Bessel van der Kolk: Oh, eu adoro essa pergunta, porque, claro, nós sabemos exatamente como os antidepressivos mudam as pessoas. E também sabemos exatamente como “falar” muda as pessoas. Então, é interessante que as pessoas perguntem: “Qual o mecanismo de funcionamento do EMDR?”. Mas elas não perguntam: “Como a terapia por meio da fala funciona?”. A terapia por meio da fala realmente muda o cérebro – e isso é muito mais misterioso do que o EMDR. Respondendo sua pergunta, o EMDR parece funcionar por meio da ativação de uma faixa de 40 MHz dos ritmos corticais, que são os mesmos ritmos que você experiencia durante o sono REM, que é o sono dos seus sonhos. Isso ajuda o cérebro a processar os resíduos diurnos e movê-los da área sensorial do córtex para o tálamo e daí para o córtex pré-frontal.

Shrink Rap Radio Podcast, Janeiro de 2015

Como é uma sessão de EMDR?

O EMDR utiliza a habilidade natural de cura do seu cérebro. Após uma avaliação completa, o terapeuta, usando um protocolo clínico, fará perguntas específicas sobre uma memória perturbadora em particular. Os movimentos oculares do sono REM serão mimetizados simplesmente pedindo a você para seguir os dedos do terapeuta (ou uma varinha, ou um ponto de luz, ou uma bolinha numa tela) movendo-se de um lado para outro em seu campo visual.

Alguns terapeutas usarão sons bilaterais ou estimulação tátil bilateral ao invés dos movimentos oculares. Os movimentos oculares (ou sons/estimulação tátil) bilaterais darão a partida no sistema de processamento adaptativo de informação do seu cérebro. O sistema de processamento adaptativo de informação é um processo natural e inerente ao funcionamento normal do cérebro que move memória do modo disfuncional (patológico) para o modo funcional (saudável).

Após cada série de movimentos oculares bilaterais, você será solicitado a relatar o que percebeu. Experiências durante a sessão podem incluir mudanças espontâneas em pensamentos, imagens, emoções e sensações corporais.

Com as séries repetidas de movimentos oculares bilaterais, a memória tende a mudar de tal maneira que acaba perdendo a sua intensidade dolorosa e simplesmente se torna uma memória neutra de um evento no passado. Outras memórias associadas, conscientes e inconscientes, podem também ser modificadas ao mesmo tempo.

Essa cessação natural da reatividade emocional (de negativa para neutra) é chamada de dessensibilização. Paralelamente, a memória é também reprocessada. Metaforicamente, reprocessar é como “digerir”. Durante o reprocessamento, o cérebro “digere” a experiência traumática/perturbadora. Em outras palavras, ele descarta aquilo que não nos é útil – por meio do enfraquecimento das conexões entre determinadas redes de neurônios – e reforça aquilo que promove nosso bem-estar e crescimento – por meio da criação e/ou fortalecimento de conexões com redes neurais adaptativas. Como o sistema de processamento adaptativo de informação tende a seguir naturalmente na direção da cura, o seu cérebro (sim, o seu cérebro!) acabará ressignificando a experiência traumática/perturbadora e promovendo mudanças no modo como você se sente e pensa a respeito de si mesmo, dos outros e do mundo, podendo levar a uma melhora expressiva e rápida em muitos aspectos da sua vida.

Qualquer pessoa pode se beneficiar do EMDR?

Primeiramente, é preciso deixar claro que diferentes pessoas respondem de modo diferente a diferentes tipos de terapia. Em outras palavras, o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Muitas são as variáveis, internas e externas, que podem interferir no processo terapêutico; portanto, não dá para afirmar com 100% de certeza que a terapia x, y ou z é a terapia apropriada para você. Você precisará experimentar e persistir no tratamento por um certo período para saber se a terapia EMDR responde às suas necessidades.

Dito isto, o EMDR pode acelerar a terapia ao resolver o impacto de experiências dolorosas do passado e permitir-lhe viver mais plenamente no presente. O processo, em geral, quando comparado à terapia verbal convencional, tende a ser mais rápido, e quaisquer experiências perturbadoras (por exemplo, piora temporária dos sintomas), se ocorrerem, duram um período relativamente curto de tempo. Não é, contudo, adequado para todos. Se seu problema tiver uma causa puramente orgânica ou for resultado de desequilíbrio químico, o EMDR não poderá ajudá-lo. Poderá ajudá-lo, no entanto, a lidar com as consequências psicológicas e emocionais advindas desses problemas. O reprocessamento com EMDR também não é adequado se você não for capaz de tolerar as emoções fortes e os pensamentos perturbadores que podem ocorrer durante as sessões e entre sessões. Neste caso, o terapeuta EMDR irá dedicar mais tempo à fase de preparação antes de avançar para as fases de reprocessamento.

Eu vou permanecer no controle e com autonomia?

Durante o tratamento com EMDR, você permanecerá no controle e totalmente alerta. Ao longo da sessão, o terapeuta irá guiar, apoiar e facilitar o seu processo de autocura e interferir o mínimo possível. O reprocessamento é geralmente experienciado como algo que acontece espontaneamente e novas conexões e insights são sentidos como emergindo naturalmente a partir de dentro. Como resultado, a maioria das pessoas experiencia o EMDR como sendo uma terapia natural e muito fortalecedora.

Quanto tempo dura o tratamento?

A duração do tratamento irá depender do que você deseja tratar, de sua história de vida e do grau de complexidade de seus problemas.

Se você quiser tratar um problema específico e bem definido, o tratamento será focado e breve (algumas sessões). Se você quiser resolver um problema que abrange uma área mais ampla de sua vida, o tratamento será de médio prazo (de alguns meses a 2-3 anos). Se você quiser arrumar várias áreas de sua vida e de sua psique, o tratamento será de longo prazo (em geral, 3 a 5 anos). Casos mais complexos, no entanto, podem exigir muitos anos de terapia.

Entretanto, pode acontecer de você procurar a terapia para tratar uma questão específica e bem delimitada e perceber que o que parecia simples, a princípio, na verdade, tem raízes mais profundas que também precisam ser tratadas.

De qualquer modo, a terapia EMDR tende a ser mais célere do que a terapia verbal baseada em descoberta e compreensão intelectual.

O tempo de duração da sessão pode variar, a critério de cada terapeuta. Diferentemente da psicoterapia tradicional, você virá a cada sessão para tratar alvos específicos. O terapeuta irá elaborar um plano de tratamento – que será flexível, mas indicará o caminho a seguir na terapia.

O tratamento completo envolve uma abordagem em três partes: 1) eventos passados que lançaram as bases para os problemas atuais, 2) eventos que disparam os sintomas no presente e 3) necessidades futuras. Isso é necessário para aliviar/resolver os sintomas e abordar o quadro clínico completo.

Que evidências existem de que o EMDR é uma forma de terapia bem-sucedida?

Estas são algumas das instituições que endossam a terapia EMDR: Organização Mundial da Saúde, Associação Americana de Psiquiatria, Associação Americana de Psicologia, Diretrizes Nacionais do Reino Unido para Excelência Clínica, Conselho Nacional de Saúde Mental de Israel, Sociedade Australiana de Psicologia, Sociedade Internacional de Estudos de Estresse Traumático, Departamento para Assuntos de Veteranos dos E.U.A., Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

O EMDR está registrado como prática baseada em evidências no Registro Nacional de Programas e Práticas Baseados em Evidências da SAMHSA (Administração do Serviço de Saúde Mental e Abuso de Substâncias), órgão do governo americano que promove a adoção de intervenções de saúde cientificamente estabelecidas.

A validade e confiabilidade do EMDR foram estabelecidas por pesquisas rigorosas. Francine Shapiro era a primeira a incentivar a pesquisa constante. Atualmente, há um número considerável de estudos controlados sobre o EMDR, tornando-o o método para tratamento de traumas mais pesquisado no mundo.

Foto: Dr. Daniel Amen

Que tipos de problemas e transtornos podem ser tratados com o EMDR?

O EMDR pode ajudar o cliente que deseja curar-se de um trauma, lidar com um aspecto perturbador da vida ou superar um problema de desempenho.

Entre alguns dos problemas que têm sido tratados com sucesso com o EMDR, podemos citar:

  • Transtorno de estresse pós-traumático (Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual, seja por vivência direta ou ao presenciar o evento).
  • Lembranças dolorosas.
  • Depressão e ansiedade.
  • Transtorno de ansiedade generalizada, fobias e transtorno de pânico.
  • Medo de avião.
  • Dificuldades do sono (insônia, pesadelos).
  • Síndromes funcionais (enxaqueca, síndrome do colo irritável, fibromialgia).
  • Aspectos emocionais da dor crônica.
  • Autoestima baixa e ansiedade de desempenho.
  • Culpa ou vergonha crônicas.
  • Insegurança e sentimento de incompetência.
  • Dificuldades nos relacionamentos interpessoais.
  • Desenvolvimento de recursos internos positivos e aprimoramento do desempenho.

Conclusão

O objetivo da terapia EMDR é reprocessar completamente as memórias que estão causando problemas e incluir novas experiências para a plena saúde. Reprocessar não significa falar e elaborar o que o incomoda. O EMDR não funciona por meio de compreensão intelectual. Reprocessar significa dar partida no sistema natural de cura do seu cérebro de modo a possibilitar que as experiências do passado que originaram seus problemas sejam metabolizadas e integradas de modo adaptativo. Isso significa que imagens, emoções, sensações corporais e crenças disfuncionais serão descartadas, e que o que lhe for útil de uma experiência será aprendido e armazenado com as emoções e entendimentos apropriados, podendo, portanto, guiá-lo de forma positiva no futuro.

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