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Trauma secundário

De modo geral, traumas podem ser classificados em duas categorias: trauma primário e trauma secundário.

Dada a situação de “calamidade” que estamos vivendo no Brasil e no mundo devido à pandemia do coronavírus, minha ênfase aqui será o trauma secundário. Mas antes precisamos entender o que é trauma primário.

Trauma primário

Trauma primário é o trauma em primeira mão. Ocorre quando temos experiência direta com eventos muito estressantes, assustadores ou angustiantes. Experiência direta quer dizer que acontece conosco pessoalmente ou vemos acontecer com outras pessoas.

O evento causador do trauma primário pode ser agudo (trauma de choque) ou contínuo (experiências adversas de vida). (Confira: Trauma de Choque x Experiências Adversas de Vida)

Eventos potencialmente* causadores de trauma primário:

*Eu utilizei a palavra potencialmente porque não é o evento em si que é traumatizante e sim nossa percepção do evento, aliada a outros fatores internos e externos.

Trauma secundário

Trauma secundário é o termo genérico para o trauma que resulta do envolvimento empático repetido com populações traumatizadas.

Imagem de andreas160578 por Pixabay

O trauma secundário tem muitos outros nomes (que podem ter significados um pouco diferentes na literatura acadêmica): trauma vicário, estresse traumático secundário, fadiga de compaixão, burnout e contratransferência.

Entre as profissões/ocupações que trabalham diretamente com populações traumatizadas, podemos citar, entre outros, médicos, paramédicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, psicólogos clínicos, assistentes sociais, bombeiros, defensores de causas contra a violência doméstica e sexual, policiais, investigadores, advogados, promotores, juízes, clérigos e líderes espirituais, funcionários e voluntários que auxiliam nas ocupações acima referidas.

Para aqueles de nós que trabalham em profissões de ajuda, nosso trabalho requer ouvir sobre ou mesmo testemunhar frequentemente as coisas horríveis e perturbadoras que acontecem com outras pessoas. É um trabalho extremamente importante, mas, muitas vezes, tem consequências negativas.

Muito embora os eventos perturbadores não sejam experienciados diretamente, os sintomas do trauma secundário são tão reais e podem ser tão debilitantes quanto aqueles manifestados no trauma primário.

Três conceitos-chave para entender o trauma secundário

1. O trauma secundário é um risco ocupacional.

É uma consequência natural, embora prejudicial, do trabalho com pessoas traumatizadas.

É uma realidade inerente ao trabalho que deve ser reconhecida e tratada tanto pelos profissionais quanto pelas organizações que os empregam.

2. O trauma secundário é uma consequência do envolvimento empático com indivíduos que sofreram trauma primário.

Embora nossa capacidade de empatia possa nos tornar bons em nosso trabalho, também devemos entender que envolver-se vicariamente no sofrimento de outra pessoa pode ter um grande impacto ao longo do tempo.

3. O trauma secundário pode ter consequências graves para a nossa saúde mental e física.

O que o trauma secundário não é

  • Não é uma fraqueza pessoal.
  • Não sinaliza ausência de força de vontade ou falta de compromisso.
  • É muito diferente de nossas histórias pessoais de traumas e das adversidades contínuas que enfrentamos em outras áreas de nossas vidas. Embora esses aspectos possam complicar as questões relacionadas ao trauma secundário, eles não são a mesma coisa.
  • É distinto do estresse regular associado ao trabalho (por exemplo, sentir-se cansado depois de uma semana particularmente agitada). A dificuldade de reconhecer essa distinção pode nos fazer descartar os sintomas iniciais do trauma secundário, presumindo que eles se dissiparão com o tempo.

Os sintomas do trauma secundário não desaparecerão com o tempo. Seus efeitos são cumulativos e normalmente só pioram se não forem reconhecidos e tratados.

Os profissionais e prestadores de serviços nunca devem ser julgados ou culpabilizados pelo que é uma consequência normal do seu trabalho.

As consequências do trauma secundário

Os impactos negativos do trauma secundário são vários e podem afetar não apenas os profissionais e prestadores de serviços, mas também nossos relacionamentos interpessoais, as instituições que nos empregam e até mesmo as pessoas que arduamente tentamos ajudar.

Essas consequências têm um impacto negativo na comunidade e na sociedade como um todo.

Fatores de risco para trauma secundário

  1. Exposição ao trauma no exercício do trabalho.
  2. História pessoal de trauma (trauma primário).

Sobre este segundo fator, para muitos profissionais, foram justamente suas histórias pessoais de traumas que os levaram a escolher suas carreiras atuais. Alguns foram negligenciados ou abusados física e psicologicamente quando crianças, outros experienciaram violência sexual ou doméstica, outros ainda lutaram contra a dependência de álcool ou outras substâncias. Em alguns casos, presenciaram pessoas queridas sofrendo esses traumas e esperam poder oferecer hoje a ajuda que não puderam oferecer na ocasião.

Por um lado, experiências pessoais de trauma podem ser um ativo ocupacional valioso, na medida em que pode nos tornar mais capazes de demonstrar empatia, de proteger e defender as pessoas que precisam de nossa ajuda. Por outro lado, uma história pessoal de trauma pode ser prejudicial, pois nosso elevado nível de empatia com aqueles que sofrem de experiências semelhantes às nossas pode nos colocar em maior risco de sofrer trauma secundário.

Nem todos os profissionais, todavia, têm uma história pessoal de trauma – esta não é uma característica universal das profissões de ajuda. Há profissionais que escolhem a carreira idealisticamente, armados apenas do desejo ardente de ajudar os outros. Neste caso, os primeiros contatos com indivíduos traumatizados podem nos fazer sentir pegos de surpresa, oprimidos ou inadequadamente preparados. Podemos até nos sentir culpados por nosso próprio passado relativamente róseo quando confrontados com os horrores enfrentados por aqueles que tentamos ajudar.

Independentemente de nossa história de vida, todos os provedores de ajuda são suscetíveis a trauma secundário. Por isso é tão importante o autocuidado.

Principal fonte de pesquisa:
Clements, Erin et al. Secondary Trauma in the Workplace. Montana State University.


ATENÇÃO! Traumas só devem ser tratados por psicólogos e psiquiatras.

A terapia EMDR é uma das duas únicas abordagens recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento de traumas.


Veja também: Fases da resposta psicológica das equipes de saúde à pandemia

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